quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Crepitou por mil anos a cúpula da capela que habitei. E dentro de mim, carcomida olharde paisagem: florestas, o faisão dourado, a maloca espraiados ao pé de serra e se fazia cinza, se fazia anil. Ao chão, um copo, um prato de sobras e o farfarejar de lantejoulas sobre os lençois das casas. Crepitava dentro da nave, no ano-zero. clarão se fazia surgir, pernas e braços em nó. mil anos trascorreu, quando o arco-íris fez-se pintar no céu, um olho dágua ainda respirava, seixos se desembolavam, a morte se erguia do firmamento, e dentro dele a cúpula da capela que se erguia sobre tua tatuagem incinerada.

terça-feira, 23 de julho de 2019

A mil anos atrás, o meu avô me disse:
-mate esse porco.
Mas como separar a carne dos ossos, a parte do todo? Logo me trouxeram uma peixeira cega, talhada em sangue e lodo. Feito pinça e com pureza, enfiei-a toda e fiz escorrê-la pelo ventre, pelo corpo. Fazia céu claro naquele dia. Vovó bordava na sala. alguém dormia na rede. - não dessa forma, falta-lhe aprumo e técnica,
gritou ele! Assim fiz até que o abdome caiu na bacia de alumínio, O porco pendurado no Pereiro por sobre nós. É da natureza do porco o horror diante da morte,
Por isso, junto com a faca, também nele me infiltrei Naquele mesmo dia, vovô enfartou. Cobrimo-lo com manto bordado de infância. e o enterramos, cada a um a sua forma, numa cova rasa de areia e pedras.>

sábado, 7 de outubro de 2017

HOMEM SEM ROSTO

Não te olho,
Não te encontro, mas te levo nas asas desses cavalos alados que procuram o céu.
Tenha fé,
Que o silêncio ocular que te toma,
Inquebrantável de tuas asas,
O silêncio que te leva por sobre constelações, te fará chegar em um ponto luminoso e sombrio.
e então, nesse dia quente, uma aranha voará sobre tua face,
e te fará ver
E que te faz bem devagar  por aí.


terça-feira, 3 de outubro de 2017

Mulher sem rosto

Não vi teus olhos, pois
no instante do relance calado que esgotava o dia.
Mulher sem rosto.

Não havia no momento nada o que dizer, nem o que falar
pois nas noites queimava palavras
e tudo era só passagem.

E como não existiam, por cada dia que não te vi,
Era dali p`ra qui,
a assoviar um bem-te-vi, um sabiá.

 - A ilusão da procura,
Mulher sem olhos.
E você não sabe que te conheço de olhar para trás
no virar que tenciona enxergar o que não era:
 - semelhança com o amar.

Mas em cada emoção arrolada nesse momento,
e para cada noite pinçada na insônia vivida depois,
tentei reproduzir-te em mim.

Mulher,
és cabelo e sorriso, um nariz e um amazonas inteiro
e que se nos afoga,
e que se nos revela
e que se nos reverbera
aquilo que poderia haver
entre eu,  teu vulto,  a noite
e a sobra que se nos alonga dentro nós.

sexta-feira, 31 de março de 2017


Mulher do dia,
sem que eu visse, polvilhastes no meu cabelo 200g de pólvora
Acendeste a fagulha e fizeste fogo no meio da noite.
Lembras?
Primeiro foi o rastilho
e da pólvora preta, fez-se um clarão
Me agarrastes e por entre
as sombras das nuvens, te vi.
Eras poética.

De repente, fez-se um zumbido
e do cinto  de carne que nos afivelava, uma explosão:
eras marinheira dos dias
e também serpente entre os lajedos na noite
e no vão que caímos,  encravaste na minha pele a mensagem a seguir:

Durma, durma nessa cama de cobre e vento quente,
Fie o rio que te perpassa em água espessa.
Beba o caldo,
Beba tudo: o fogo, o dia, a noite e o rio,
depois, por cima de mim, acorde.
Por fim,  acabe.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017


As ocorrências surgiam à tarde
na esquina da rua do Progresso com a das Ninfas.
Tudo o que vi passo agora a narrar:

No tempo em que se dourava o céu de cores,
e quando a  espreguiçadeira rangia na sala,
surgia,  em minha janela, torvelinhos de ventos e de pássaros.
e era assim todas as tardes.

Ali canários azuis chegavam.
Havia a  luz que nos fazia assombrar por dentro de janelas.

No chão, bêbados se aprumavam entre os desvãos do piso e das pernas.
Sob seus corpos, o tempo se fazia passar dolentemente.
Tempos de castanholas cansadas.

Naqueles dias de abril, quando a melancolia tomava a sala,
e o som da ave maria nos amolecia,
ali, bem perto de nós, na luminária do canto da sala, sentia-se o bafejar do som de mariposas.

Mas não mais.

Pássaros costuram suas roupas no décimo primeiro andar.
Rijas, mulheres igualmente embriagadas pelos demônios cortam o chão em pisadas firmes.
E o céu despenca sobre nossas cabeças o azul profundo, cristal e rósea.

Nos dias de abril, na antessala das noites, nos fala o laranja, o rubro,  o preto.
as castanholas se esparramam nos lençóis da cama.
e já não mais há mariposas.
Feitiçarias,
tudo era macumbarias
tudo são coisas que o tempo leva.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Um prato nos trópicos.
Comida nos trópicos
fruta nos trópicos
Sexo nos trópicos.


Um copo nos trópicos,